A Rita e o Nuno estiveram a fazer tempo comigo no Arrábida enquanto eu jantei, assim que cheguei, já tarde, à Invicta. Tive que passar em Tabuaço pela Quinta da Martinha para deixar o meu Milu de férias – afinal ele também tem direito! O Expresso partiu quase à 1:00 e eu pensei que poderia dormir a viagem toda. Era bom mas não foi. Duas amigas gaiteiras, que eu não consegui perceber se eram hippies ou simplesmente escandalosas, entre a quantidade de asneiras que conseguiam dizer por minuto, as gargalhadas sonoras (no meio do silêncio do autocarro àquela hora é difícil não reparar), o sobe e desce do banco contra os meus joelhos e a quantidade de nós que uma delas conseguiu dar ao cabelo… não sei mas sei que conseguiram, as duas, desencorajar-me, tendo em conta que ainda tenho que contar com 17 horas de voos, transbordos e outras amigas gaiteiras possivelmente…
Agora, no suposto bar do aeroporto, sozinha, faço tempo. Os balcões de check-in só abrem às 5… e os funcionários estão aqui numa discussão sobre se preferiam aceitar algo que ainda não descodifiquei ou ser gay… isto a esta hora é mesmo complicado."
5/Set/07, 04:40 , Aeroporto da Portela
" Estou a sobrevoar o Nepal.No pequeno visor, à minha frente, vejo que no exterior do avião estão -48˚C, faltam 3:10 horas para chegar a Bangkok, estamos a 12.011 m de altitude, a 2628 km de distância e já percorremos 6617 km desde que partimos de Zurique.
Olho lá para fora e para além do piscar das luzes das asas e de um céu estrelado, por vezes vejo um conjunto de pequenas luzes lá no fundo. Imagino aquelas pequenas aldeias perdidas nos sopés dos Himalaias. Também já sobrevoei países como o Afeganistão, o Irão, Iraque, Paquistão… enquanto eu vejo os Fantastic 4 ou Blind Date ou um delicioso programa sobre a comida Thai e um episódio do Will & Grace há guerra bem lá em baixo. Tão lá em baixo que não a vi.
Estou a atravessar nuvens agora.
Vou tentar dormir até à próxima refeição.
Já passaram cerca de 7 horas de voo,
19:30 horas desde que saí do Porto…"
5/Set/07, 19:57, Portugal
6/Set/07, 00:57, Espaço aéreo do Nepal
Isto foi escrito à mais de um mês atrás, sob a emoção das expectativas sobre as minhas férias na Tailândia.
A vida dá muitas voltas e eu de facto passo a minha vida a prová-lo para quem tiver dúvidas, incluindo a mim própria.
À um mês atrás eu era alguém que tinha sofrido uma enorme desilusão com quem representara para mim durante muitos anos uma bóia de salvação, aquela memória distante de responsabilidade e coerência e que ao fim de tanto tempo ruíra com a facilidade de dois encontros.
Era alguém conformada com o novo trabalho que apesar de não ter as melhores condições, não ser da minha área profissional e não representar um grande desafio intelectual, permitir-me-ia não sair da região, ter dinheiro para viver ao longo do mês, alimentar a bicharada e continuar a escalar, pelo menos na Covilhã, nos poucos tempos livres que me esperavam.
As semanas e os dias eram cópias exactas das que se lhes antecederam e as que viriam a seguir...
Alguém que assim que teve tempo e dinheiro decidiu fugir e contra qualquer tentativa de a demover partiu numas férias solitárias para a Ásia.
Foi tudo decidido 15 dias antes baseado numas fotos que tinha visto numa revista de viagens em Abril e algumas conversas com o pessoal da escalada. Tailândia, a distante Tailândia.
Neste momento estou em Kalymnos na Grécia a escrever uma série de posts que devo a mim para tentar por alguma ordem nesta corrente de acontecimentos e porque os devo a algumas pessoas muito importantes na minha vida. Pessoas a quem devo (porque o sinto) algumas explicações. A minha vida deu uma volta de 180 graus e agora estou muito feliz mas sofro também com isso. Sofro de saudades. Sofro por não ter resolvido tudo como gostaria com toda a gente. Sofro por não me ter despedido das pessoas mais importantes na minha vida. Sofro por não ter o apoio de quem mais amo e por saber que lhes causei maior sofrimento.
Espero que um dia possam compreender. Mesmo que mais tarde tenha que engolir algum do meu reconhecido orgulho e voltar atrás, eu nunca me arrependerei de ter tomado este caminho na vida. Espero que seja apenas um trilho pedregoso para uma bela estrada à beira mar onde poderei sempre estar ao lado de quem é tudo para mim. Apesar de longe estão sempre comigo. Pode parecer que os abandonei a todos mas não, apenas os estou a levar comigo para longe, para bem longe, mas sempre comigo, estão sempre comigo. Estou a alargar também os vossos horizontes.